sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

ESTREIAS DA SEMANA INCLUEM NOVO FILME DE COPPOLA E O NOVO HOBBIT DE PETER JACKSON


Exibido em outubro do ano passado no Festival do Rio, e mais de dois anos depois de sua estreia nos Estados Unidos, finalmente chega aos cinemas brasileiros o mais novo filme de Francis Ford Coppola. O diretor norte-americano, mais conhecido pela trilogia de “O Poderoso Chefão” e o épico “Apocalypse Now”, amargou alguns fracassos retumbantes em sua carreira, como roteirista (The Great Gatsby) , e como diretor do filme “One From the Heart”, que quase levou à falência de sua produtora, a American Zoetrope, em 1982. Acostumado a grandes produções, (Apocalypse Now foi outra grande produção que só não o levou à falência devido ao grande sucesso que obteve nas bilheterias), desta vez Coppola volta às telas com uma produção bem mais modesta. “Twixt”, que foi produzido, escrito e dirigido por Coppola, teve um orçamento ínfimo para os padrões hollywoodianos: apenas 7 milhões de dólares, e traz no elenco um Val Kilmer ligeiramente acima do peso, vivendo um escritor de romances de bruxaria (Hall Baltimore) em crise criativa, que perambula por cidades do interior dos EUA promovendo seu novo romance, até que ele chega à pequena de Swann Valley e, humilhamente, promove um dia de autógrafos em uma loja de ferragens para uma população nem um pouco interessada em seu trabalho. Apenas o velho xerife da cidade, Bob LaGrange (Bruce Dern) parece conhecê-lo, e adquire um exemplar de seu livro. LaGrange conta-lhe uma história sobre doze crianças que foram assassinadas na cidade, e lhe propõe uma parceria para a escrita de um romance sobre o caso. Com um certo desdém, Baltimore recusa a proposta do entusiasmado xerife, mas a história lhe chama a atenção, principalmente depois que ele descobre que o grande escritor Edgar Allan Poe se hospedou em um motel abandonado na cidade, tempos atrás. A partir daí, o filme mistura sonho e realidade, com Baltimore se encontrando com uma das supostas vítimas do massacre, a jovem Virginia (Elle Fanning – a irmã caçula de Dakota Fanning) para, em seguida, receber conselhos do próprio Poe (Ben Chaplin), que lhe dá dicas de como finalizar o romance sobre as doze crianças mortas.
Hall Baltimore (Val Kilmer) e Virginia (Elle Fanning), em Twixt, de Coppola
O filme está enquadrado na categoria de suspense/terror, mas de terror tem pouco, ou quase nada. Está mais para um conto gótico moderno, digno de uma nota de rodapé sobre os poemas de Baudelaire. O visual tem um toque do chamado “efeito Sin City”, em que a imagem está em preto e branco e apenas uma ou duas cores se sobressaem. Além disso, Coppola filmou parte do filme em 3D (na opinião deste, um filme todo em 3D é cansativo). Uma das curiosidades da produção é que quase todo o filme foi rodado em uma propriedade agrícola do próprio Coppola, usando principalmente sua adega e sua biblioteca pessoais como cenário.
Twixt é uma produção que não irá agradar a todos, e nem é uma das grandes produções de Coppola, mas vale a pena ser visto, principalmente pelos diálogos deliciosos entre Poe e Baltimore, pela ironia com o tempo (Swann Valley possui uma torre com sete relógios que nunca estão em sincronia, portanto, não dá pra saber direito que horas são na cidade) e por ser a obra de um dos maiores cineastas em atividade.

Outras estreias interessantes
A continuação da segunda das trilogias baseadas nos romances de J. R. R. Tolkien, comandada pelo competente diretor norte-americano Peter Jackson é outra ótima opção para quem gosta dos filmes sobre a Terra Média. Trata-se do segundo filme sobre o hobbit Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), "O Hobbit - A desolação de Smaug", que narra a continuação da jornada de Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage) que, ajudado por Bilbo e mais doze fiéis anões, na tentativa de retomar o reino dos anões de Erebor. Thorin e seu grupo de anões precisam ludibriar o esperto, e aterrorizante, dragão Smaug (que finalmente mostra todo o seu esplendor nos últimos 40 minutos do filme), para tentar recuperar a pedra Arkenstone, por ser esta a joia mais valiosa do reino, que daria a Thorin o direito de se tornar novamente o rei.
Smaug, o dragão do título, protege o seu tesouro
Como nos filmes anteriores, “A desolação de Smaug” foi quase todo rodado na Nova Zelândia, com exceção das cenas de Ian Holm, que faz o personagem já velho de Bilbo, Bolseiro, e de Christopher Lee, o Saruman da trama que, por motivos de saúde filmaram suas cenas em um estúdio em Londres. Mesmo que você não tenha gostado muito da primeira parte da trilogia do Hobbit (assim como eu), vale a pena assistir essa continuação. Mais uma vez, os efeitos especiais são uma atração à parte, com cenas de ação capazes de tirar o fôlego e nos deixar grudados na poltrona, esperando pela próxima cena que aparecerá na tela grande, principalmente as cenas de Smaug. Diferentemente da primeira parte, você vai ficar ansioso para assistir o terceiro filme da série, que está previsto para ser lançado em dezembro de 2014.

Outras estreias menos badaladas, mas que merecem ser vistas são “A música nunca parou” e “Filha de ninguém”.  “A música nunca parou” é o primeiro longa dirigido por Jim Kohlberg e mostra a luta de um pai, Henry Sawyer (J.K. Simmons), para se conectar com seu filho Gabriel (Lou Taylor Pucci), que  possui um tumor no cérebro que o impede de produzir novas memórias. Será através da música que os dois irão superar a distância emocional que os separa e acabam encontrando uma forma de se relacionarem. O filme foi baseado em uma história real que, por sua vez, foi baseado no ensaio "The Last Hippie" sobre o livro "An Anthropologist on Mars", de Oliver Sacks.
“Filha de ninguém”, do sul-coreano Sang-soo Hong, é uma história que retrata os dilemas existenciais de uma jovem estudante de cinema na Coréia do Sul, Haewon (Jeong Eun-Chae), que se sente ainda mais deslocada quando sua mãe (Kim Ja-ok) anuncia que está se mudando para o Canadá, e piora quando ela descobre que seus colegas estão falando mal dela por esta ter tido um relacionamento com um professor casado (Lee Sun-kyun). O filme estreou em 2011 no Festival de Sundance e este ano foi selecionado para a mostra Panorama do Cinema Mundial do Festival do Rio.

*Guto Rodriguess é ator, roteirista e cineasta, formado em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná e Pós-graduado em Cinema pela Universidade Tuiuti do Paraná.

Quem foi Edgar Allan Poe?
Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, 19 de Janeiro de 1809 - Baltimore, 7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário americano, fez parte do movimento romântico americano. Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos, sendo considerado o inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por contribuição ao emergente gênero de ficção científica. Ele foi o primeiro escritor americano conhecido a tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difícil.
As obras mais conhecidas de Poe são Góticas, um gênero que ele seguiu para satisfazer o gosto do público. Seus temas mais recorrentes lidam com questões da morte, incluindo sinais físicos dela, os efeitos da decomposição, interesses por tapocrifação (enterro prematuro, enterro vivo e funeral vivo), a reanimação dos mortos e o luto. Muitas das suas obras são geralmente consideradas partes do gênero do romantismo negro, uma reação literária ao transcendentalismo, do qual Poe fortemente não gostava.
Edgar Allan Poe
Além do horror, Poe também escreveu sátiras, contos de humor e hoaxes (embustes, farsas). Para efeito cômico, ele usou a ironia e a extravagância do ridículo, muitas vezes na tentativa de liberar o leitor da conformidade cultural. De fato, "Metzengerstein", a primeira história que Poe publicou, e sua primeira incursão em terror, foi originalmente concebida como uma paródia satirizando o gênero popular. Poe também reinventou a ficção científica, respondendo na sua escrita às tecnologias emergentes como balões de ar quente em "The Balloon-Hoax".
Poe escreveu muito de seu trabalho usando temas especificamente oferecidos para os gostos do mercado em massa. Para esse fim, sua ficção incluiu muitas vezes elementos da popular pseudociência, como frenologia e fisiognomia.

(Texto integralmente extraído da Wikipédia na internet, no seguinte endereço eletrônico: http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Allan_Poe).

sábado, 16 de novembro de 2013

ROTEIRO - CENAS DE EXPOSIÇÃO

Às vezes, precisamos informar o espectador de algo que não ficará claro ou que não há tempo para explicar em forma de ação dentro do filme. Dessa forma, é preciso expor o assunto como uma explicação incorporada à trama, de forma que o público entenda e ao mesmo aceite o que estamos querendo passar. Não é fácil fazer isso sem se tornar falso ou maçante. Por exemplo, em Matrix somos apresentados a um mundo totalmente novo e cheio de regras próprias. Não há como explicar o que é a matrix se não houver um misto de ação e narrativa. Para isso, Morpheus (Laurence Fishburne), e de certa forma Trinity (Carrie-Anne Moss), encarregam-se de explicar a Neo como funciona a matrix. Essa é a forma que os criadores encontraram de nos apresentar as particularidades daquele mundo, necessário para que também entremos na história.
Em A Origem (Inception, 2010), de Christopher Nolan, o personagem de Leonardo Di Caprio, Don Cobb, é um especialista em invadir a mente das pessoas para roubar segredos ou implantar falsas informações (ou dúvidas). Como não sabemos como isso seria possível, ele é obrigado a “nos explicar”. Para isso, Nolan (que também é o roteirista do filme) encontra uma forma bem aceitável de nos passar essa importante informação. Cobb contrata uma novata, Mal (Marion Cotillard), para ser a projetista de um novo e ambicioso projeto: invadir a mente do herdeiro de um império e implantar uma “semente” de dúvida bem fundo do subconsciente do rapaz. Como Mal é novata no ramo de invadir sonhos, Cobb precisa explicar como tudo funciona para ela. E ao fazê-la conhecedora de tais informações, vitais para o sucesso do projeto, vamos sendo conduzidos pelo mesmo caminho de Mal. Ao final da explicação de Cobb já estamos convencidos de que é possível realizar tal proeza e “compramos o peixe” de Nolan sem reclamar. A exposição foi feita e ficamos satisfeitos com a forma como tudo foi feito.
Um erro comum dos roteiristas de primeira viagem, nesse ponto, é querer explicar demais. Então, imaginando que o espectador não irá entender, ele exagera na dose, e o faz frequentemente por meio de informação duplicada. Se você tiver como mostrar a sua informação, não precisa colocar ninguém explicando aquilo que está sendo mostrado. Seria como se, em A Origem, logo após tudo começar a explodir dentro do sonho de Mal, quando eles estão sentados em um café, Cobb dissesse: “Está vendo? Tudo está explodindo”. Ele não precisa dizer isso porque estamos vendo as coisas explodindo por todos os lados. Ao invés disso, Cobb apenas complementa aquela informação, explicando a Mal porque tudo aquilo está acontecendo.
Alguns professores de roteiro afirmam que a melhor forma de colocar uma exposição em seu roteiro é por meio de uma cena cômica ou um conflito. Eu acredito que você pode usar o artifício que quiser, desde que não deixe a cena maçante e nem subestime a inteligência do espectador.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

ÔNIBUS 174


Cronologia do espetáculo de horror
Por Guto Rodriguess*
O dia está quase amanhecendo na pequena província de Toledo, parte central da Espanha. O ano é 1492. É um domingo frio de abril. Pessoas de todas as cidades da Espanha já começam a se amontoar em torno da pequena praça central da cidade. Carpinteiros terminam os últimos preparativos para a “festa” que acontecerá logo mais. São pessoas de todas as idades. Homens, mulheres e crianças. Alguns caminharam algumas centenas de quilômetros para estar ali aquele dia. Inquietam-se ao lado do palco principal, à espera do “espetáculo”.
Quando o Sol já está a pique, o número de pessoas chega a alguns milhares. A praça está completamente lotada. Como nos dias de hoje, há os “vendedores ambulantes”, negociantes de todos os tipos, que aproveitam o evento público, que é gratuito, para fazer algum dinheiro. A multidão já está impaciente, quando finalmente o espetáculo começa. Uma fileira de condenados, todos acorrentados, caminham por entre a massa eufórica até o local em que deverão receber o merecido castigo. À medida que caminham, recebem todo tipo de insultos. São todos hereges. Pessoas perigosas para a Santa e Madre Igreja Católica. Foram condenadas pelo tribunal do Santo Ofício por práticas de bruxaria, satanismo e outras formas de negação do sacrossanto poder da Igreja.
Vai começar o espetáculo. Alguns dos condenados são “agraciados” com a morte na fogueira, mais rápida e menos dolorosa, porque, durante o processo, em algum momento, contribuíram para o para o bom andamento do julgamento ou delataram outros hereges. Outras, mais reticentes, recebem outros tipos de tortura, mais dolorosas, como o empalamento[1], a tortura na Roda do Despedaçamento[2] ou a serra[3]. Eram práticas comuns aos Autos de Fé, e a multidão assistia em êxtase a esses espetáculos de horror. Se, como disse Rosseua, “o homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe”, então esses espetáculos públicos eram uma prova irrefutável dessa “corrupção” do ser humano.
O episódio narrado acima bem que poderia ter saído de um filme de ficção ou de um livro, mas infelizmente, para espanto de alguns e revolta de outros, embora a narração aqui seja um relato imaginativo de minha parte, descreve muito bem o que acontecia nos chamados Autos de Fé, promovidos pela Igreja Católica para punir supostos hereges. E o que mais chama a atenção nisso tudo não é o ato em si, mas o deleite do ser humano em assistir a tais atos. E neste caso, o condenado não podia morrer antes da tortura final. O público ficava enfurecido, vaiava e isso praticamente acabava com a festa.
Deleite esse que se repete a cada dia em nossa moderna sociedade, só que de uma forma um pouco menos explícita do que os espetáculos de horror da Idade Média. Estamos falando dos milhares de casos policiais que inundam os meios de comunicação todos os dias ao redor do mundo. E, sem trocadilhos, quanto mais bizarro o caso, mais atiça a curiosidade do público comum.
O cinema, que está sempre na esteira dos acontecimentos, uma vez que, uma de suas definições diz respeito à “imitação da realidade”, não perdeu tempo. Tratou de colocar essa “realidade” na tela grande. Foi assim que filmes como Cidade de Deus, Tropa de Elite e mais recentemente Ônibus 174 conquistaram importante papel nas salas de cinema do mundo inteiro.
No entanto, dramaturgicamente falando, Ônibus 174 tem um diferencial a mais nessa teia de reconstruções da realidade brutal de nossa sociedade. Embora os filmes citados anteriormente tenham seus argumentos baseados em fatos reais, o filme de José Padilha é, efetivamente, o fato real, filmado e retransmitido para quem quiser ver. O incidente em questão aconteceu no dia 12 de junho de 2000 no bairro Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Um rapaz de 21 anos, chamado Sandro do Nascimento, assaltante, drogado, com várias passagens pela polícia, invadiu um ônibus que fazia a linha Central-Gávea e manteve vários reféns sob a mira de um revólver por quase cinco horas. Em tempos de globalização, o “espetáculo” foi transmitido ao vivo para o mundo inteiro. Aquela tarde, milhões de pessoas se amontoaram em frente aos aparelhos de televisão para acompanhar o desfecho do assalto frustrado. Algumas tiveram o “privilégio” de acompanhar tudo de perto, bem próximo ao ônibus, enquanto a polícia tentava, sem sucesso, dissuadir Sandro (que até aquele momento era chamado de Sérgio) de seu infausto intento. Só depois de muito tempo, e já com uma vítima “supostamente” morta (descobriu-se depois que, tanto o tiro que Sandro teria dado em uma das reféns, quanto os gritos desesperados dos cativos, eram encenações, na maioria dos casos, feitas a pedido do próprio seqüestrador), é que Sandro resolveu deixar o ônibus. Mais uma vez sua atitude surpreendeu os policiais, que acabaram agindo precipitadamente, fato que resultou na morte de uma das reféns, a professora Geisa Firmo Gonçalves. Como se sabe, o assaltante escapou ileso da tentativa de ser abatido por um policial da força de elite da Polícia Militar, mas foi morto por sufocamento dentro do camburão que o conduziria até o distrito policial.
Embora com ressalvas, o cerco ao ônibus 174 e o espetáculo de horror mórbido proporcionado pelos Autos de Fé da “Santa” Inquisição na idade média, têm uma certa ligação. Ambos são espetáculos em que o ser humano mostra a sua pior face. Ambos são espetáculos públicos. Em ambos, a tragédia é iminente. Mas a pergunta que se deve fazer aqui é: o que leva o ser humano a se sentir atraído pela miséria do outro? Será que isso é uma forma de auto-expiação? Será que esse é um espetáculo catártico, como afirma a teoria aristotélica para explicar o prazer do homem grego pela tragédia? A resposta a isso pode ser (e é) um pouco mais complexa, e eu não pretendo respondê-la aqui, pois isso requereria pesquisas muito aprofundadas sobre a psicologia humana. O que pretendo despertar com esse artigo é simplesmente um questionamento acerca dessas questões.
Ademais, o sentimento despertado pelo documentário de José Padilha é um tanto quanto incômodo para nós. Escancara para toda a sociedade os problemas que, muitas vezes, fica apenas na periferia das grandes cidades. Vez ou outra esses problemas ultrapassam essa delicada fronteira e chegam até as camadas menos pobres da população, como foi o caso de Sandro do Nascimento. Acredito que é isso que acaba por incomodar mais do que qualquer outra coisa. José Padilha não tenta colocar a culpa nessa ou naquela instituição. Não procura afirmar nem negar que o sistema político atual cria esse tipo de situação. Ele, como um bom documentarista, apenas expõe os fatos, investiga, instiga. Mostra como um jovem da periferia se transforma em um bandido perigoso chamado Sandro do Nascimento. Expõe sua trajetória; investiga seus motivos; faz relações. Enfim, tudo que um bom documentário deve ter, a meu ver.
Há um outro documentário que segue essa mesma linha do “oportunismo” desse boom da violência urbana desenfreada. No entanto, diferentemente do filme de José Padilha, Manda Bala não diz a que veio. O cineasta Jason Kohn se pretende explicar a origem da corrupção no Brasil mas, como norte-americano que é, não conhecedor da verdadeira realidade brasileira, se perde pelo caminho que se propôs traçar. Usa de falsos argumentos, manipula, lança mão de estatísticas defasadas e o descrédito de suas testemunhas são mais do que evidentes.
Mas de uma coisa podemos ter certeza: outros “José Padilhas” irão aparecer; outros “Jason Kohns” também, afinal de contas a violência e a curiosidade das pessoas por esse tema estão longe de ser esgotados. Desde que o mundo é mundo que o homem sente um prazer mórbido pela desgraça dos outros. E isso faz parte de nossa personalidade. Infelizmente.



[1] O condenado é empalado pelo ânus e deixado à mercê da força da gravidade.
[2] Flagelação em que o condenado é amarrado a uma roda e suas juntas – pulsos, joelhos, tornozelos etc. - são escoradas por uma base de madeira; em seguida, o algoz desfere violentos golpes de marreta sobre essas juntas, despedaçando-as.
[3] O sujeito era serrado ao meio a partir do ânus.
*Artigo publicado na Chasqui – Revista de literatura latinoamericana, volume 38, número 1, maio de 2009. p. 232-234. Arizona State University. Tempe, Arizona, USA.

segunda-feira, 25 de março de 2013

O PERSONAGEM DE FICÇÃO - Características psicológicas e sociais


Todas as características citadas na postagem anterior (Características Físicas) influenciarão na parte psicológica do personagem. Por exemplo, uma pessoa que fala muito rápido, revela uma certa ansiedade em sua personalidade. Um personagem que fala muito lentamente, pode indicar um certo marasmo, ou mesmo desleixo, em suas ações. Dom Vito Corleone (O Poderoso Chefão) é um personagem que sempre se dirige aos seus interlocutores com uma certa calma na voz. Isso não revela displicência, e sim é um indício de que o personagem jamais perde a calma diante das situações conflitantes que enfrenta. Para um homem na posição dele, mostrar “quem” está no comando é de extrema importância. Quanto mais complexa e emblemática for a figura, mais interessante e rica ela será.
Algumas perguntas para ajudá-lo a montar o perfil psicológico do seu personagem:
·   Quais são as principais características do seu personagem? (inteligente, honesto, trabalhador, bom caráter, determinado, decidido, calmo etc. e seus opostos)
·         Qual o objetivo do seu personagem?
·         O que ele fará para alcançar seu objetivo?
·         Possui algum hábito ou vício? Qual? Por quê?
·         Gosta de quê?
·         Não gosta de quê?
·         Como foi/é sua educação?
·         Que importância ele dá para a família?
·         Mora sozinho?
·         Como é o lugar onde ele vive?
·         Tem esposa/marido e filhos?
·         O que faz para viver?
·         Gosta do que faz? Por quê?
·         Qual é a sua condição social?
·         Característica que pode perdê-lo ou salvá-lo.
·         O que ele faz nos momentos de lazer?
·         O que sabemos sobre o seu passado?
·         Tem amigos ou é um ser anti-social?
·         Ele se comporta em casa da mesma forma que em público?
·         Tem algum complexo de inferioridade ou de superioridade?
Dependendo da importância do personagem na história e do próprio tamanho da história, não é necessário preencher todos esses itens. No entanto, quanto mais você souber sobre o seu personagem, mais condições você terá de colocá-lo em situações verossímeis e de criar diálogos convincentes e naturais. Para um curta-metragem você pode deixar muitas dessas questões sem resposta, uma vez que não é possível desenvolver muito bem o perfil do personagem em uma história curta. Contudo, se você estiver escrevendo um longa-metragem, é sumamente importante que você crie um perfil completo dos seus personagens principais, respondendo a essas e a outras questões que julgar necessárias. Só assim seu roteiro terá organicidade e seus personagens terão vida própria. 

segunda-feira, 11 de março de 2013

O PERSONAGEM DE FICÇÃO - Características Físicas


Continuando com o tema "Personagem de Ficção", nesta nova postagem falarei um pouco sobre as características físicas de um personagem de ficação. A maioria dos roteiristas de primeira viagem começam a escrever sem saber direito sobre "quem" estão escrevendo. É por isso que há muitos personagens inverossímeis, sem nenhuma profundidade. Consequentemente, a história como um todo perde força. Então, não seja preguiçoso. Antes de começar a escrever, crie um perfil completo dos seus personagens. Assim, eles parecerão realmente ter vida própria enquanto você avança com a sua história.

Seu personagem é gordo ou magro? Alto ou baixo? Possui alguma cicatriz? É calvo? Tem cabelos desgrenhados ou sempre bem penteados? Tem algum tique nervoso? Usa óculos? Essas são algumas perguntas que você terá que responder enquanto cria seu personagem. E cada uma dessas respostas precisa de uma justificativa. De um “porquê”. Assim, uma mulher muito magra terá uma preocupação excessiva com o peso e com a alimentação. Um homem muito gordo terá como uma de suas características o gosto pela boa comida. E assim sucessivamente.

Abaixo, uma lista de características que o ajudarão a compor a parte física dos seus personagens:

·         Nome completo e apelido (se houver)

·         Idade

·         Altura

·         Peso

·         Cor dos olhos

·         Cor do cabelo

·         Cor da pele

·         Ele é saudável ou não?

·         Como ele se veste? Segue a moda ou não?

·         Tem tiques nervosos? Quais? Por quê?

·         Tem algum defeito físico? Qual? Por quê?

·         Tem alguma cicatriz? Onde? Por quê?

·         Como ele caminha? Há alguma peculiaridade no caminhar?

·         Como ele fala? Lento? Rápido? “Come” alguma letra?

As respostas a estas perguntas ajudarão a moldar o seu personagem, definindo assim suas características psicológicas e sociais, que é o assunto da nossa próxima postagem.

 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O PERSONAGEM DE FICÇÃO


PERSONAGEM

Tão difícil quanto criar diálogos consistentes, é criar personagens verossímeis. No entanto, criar bons personagens para conduzir sua história é parte fundamental no seu processo de escrita do roteiro. Boas histórias sempre têm personagens marcantes. É por meio dos personagens que você transmitirá a mensagem do seu roteiro. Você consegue imaginar algum filme de ficção sem ao menos um personagem? Eu já vi filmes em que insetos falam, computadores ganham emoções humanas, humanos se tornam seres bestiais, fantasmas se comunicam com os vivos, mortos voltam à vida e até mesmo já vi Deus e o diabo nas telas do cinema. No entanto, não me lembro de nenhuma história contada sem ter ao menos um personagem que a conduz. Personagem é essencial para o drama. Por isso, você precisa criar personagens no mínimo convincentes para conduzir suas histórias.
Para fazer um dos maiores filmes da história do cinema, Orson Wells criou um personagem enigmático, poderoso e fascinante e o chamou de Cidadão Kane, o magnata das comunicações. Você certamente se lembrará do personagem principal de Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society, 1989), não apenas porque foi interpretado por um ator do calibre de Robin Williams, mas porque o professor John Keating é uma figura marcante, com uma personalidade única e ações que fazem dessa história algo digno de ser lembrado.
Para construir um personagem marcante você precisa ir muito além do clássico nome, idade e profissão. É preciso pensar na psicologia do personagem, ir fundo em sua alma. Ir muito além do maniqueísmo do bem e do mal das peças teatrais estudantis. É preciso lembrar que um ser humano de verdade possui virtudes e defeitos, e que ninguém é totalmente bom, ou totalmente mau.
O filme Cidade de Deus (2002), de José Padilha, é um bom exemplo de personagens emblemáticos e bem construídos. Zé Pequeno (Leandro Firmino) é a maldade em pessoa. Mas, mesmo para um bandido do calibre de Zé Pequeno, há momentos no filme em que ele mostra que é um ser humano, como quando Buscapé (Alexandre Rodrigues) morre. Zé Pequeno realmente gostava de Buscapé e se importava com ele, mesmo sendo um ser humano cruel e sanguinário. Usando o mesmo filme como exemplo, encontramos um sujeito que parece ser “a bondade em pessoa”. É Mané Galinha (Seu Jorge), um sujeito simples e trabalhador, mas que, para vingar tudo que Zé Pequeno lhe infringiu (humilhação pública, estupro da namorada e morte do irmão), acaba se tornando também um bandido perigoso, capaz de matar sem a menor piedade. São as várias faces de um mesmo ser humano que, dependendo da situação, é capaz de tudo. Não nos esqueçamos que somos animais e, quando acuados, agimos por instinto.
Os psicopatas são a única exceção nesse tipo de construção de personalidade. Um psicopata não tem sentimentos, e como tal, é a maldade em pessoa. Ele não necessita de motivos para matar, roubar, manipular... Muitos psicopatas fazem isso por puro prazer. E se agem com bondade, é simplesmente pensando em seu próprio bem. Matar um ser humano simplesmente para construir um casaco de pele humana é algo que eles encaram com naturalidade (O Silêncio dos Inocentes). A série de TV Dexter é um ótimo laboratório para entender o complicado mundo particular de um psicopata.
No entanto, mesmo que o seu personagem seja um psicopata como o Dr. Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), por exemplo, ele terá que ter uma personalidade muito bem solidificada. Você terá que basear a sua personalidade em um passado justificável para que um homem como ele tenha as atitudes que ele toma no filme. E isso não é nem um pouco fácil. E é por aí que você começará a construir a personalidade do seu personagem: pelo seu passado, pois, como diria Victor Hugo, o homem é fruto do seu meio. Tudo o que o seu personagem fará, terá que estar embasado em sua personalidade. Se não for assim, ele perde credibilidade e, consequentemente, sua história também.
Expliquemos melhor esse conceito. Digamos que o seu personagem é um político honesto e que ele tem por princípio jamais aceitar propina ou favorecimento pessoal. Caso nos deparemos com uma cena em que o seu político honesto aceite receber um favor pessoal em troca de votação para aprovação de um projeto de lei polêmico, isso nos faria perder a credibilidade que havíamos depositado nele. Você até pode colocar o seu político honesto na situação acima descrita, mas teria que justificar muito bem a atitude dele. Por exemplo, no caso de ele estar sendo ameaçado, seu filho ou esposa estarem em condição de coação ou seqüestro etc. Ou outra situação que justifique ele estar indo contra os seus princípios, como é o caso do personagem Mané Galinha, do filme Cidade de Deus. Quando uma situação assim é bem escrita, gera até um conflito interessante.
No filme Tempo Esgotado (Nick of Time, 1995), um homem simples (Johnny Depp) é escolhido aleatoriamente para matar a governadora da Califórnia, Eleonor Grant (Marsha Mason), que tenta a reeleição. Caso a governadora não esteja morta dentro de uma hora e vinte e três minutos, eles matarão sua filha de seis anos de idade (Courtney Chase). Por mais pressionado que Gene Watson (Depp) esteja, ele não consegue realizar a ação, pois isso vai claramente contra seus princípios,  e ele arrisca perder a sua filha ao ter que se tornar um assassino. O que torna o filme interessante é a possibilidade de nos colocarmos no lugar de Watson, sendo obrigados a matar uma pessoa inocente para salvar a vida de outra inocente, a sua filha. Um personagem simplista, ou sem caráter, simplesmente executaria a ação sem questionar muito os “porquês”. Mas, complexa como é a personalidade humana, vários questionamentos são feitos ao longo das quase duas horas do filme.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

FORMATANDO O SEU ROTEIRO - VOZ OFF E VOZ OVER


Voz off e Voz over
Há duas formas de você indicar no seu diálogo que o autor da fala está ausente da cena. A primeira é a “voz off”, que geralmente vem entre parênteses ao lado do nome do personagem com a indicação (OFF). Esta indicação é usada quando sabemos quem é o personagem que fala, mas ele não aparece na cena. Pode ser uma narração ou uma cena cujo personagem está do lado de fora de um ambiente e ouvimos somente a sua voz.
A outra forma é a “voz over”, e da mesma maneira que a voz off, vem indicado entre parênteses ao lado do nome do personagem (V.O.). Esse tipo de indicação é usado quando, além de não vermos o personagem, não sabemos quem está falando. É mais comumente usado em narrações da chamada “voz de Deus”, que é um narrador onipresente e onisciente que acompanha toda a história, mas que não é um dos personagens ativos da trama.
Você pode encontrar outras variações para o uso da voz off e da voz over, assim como para outros termos técnicos comumente usados na escrita do roteiro. No entanto, tenha em mente que o objetivo desses termos é para simplificar e dar clareza às suas ideias ao contar a sua história. Desde que não haja contradição, você pode usar variantes dessa linguagem.